Um barracão e grandes máquinas reaproveitam madeira das mais diversas origens, como a obra da reforma do estádio Mané Garrincha, um dos palcos da Copa do Mundo 2014. Oitenta pessoas, munidas de protetores nos ouvidos para suportar o barulho das trituradoras gigantes, trabalham das 7h às 19h em um espaço especial criado a partir da inspiração de um só homem. O sonho começou na cadeia. Enquanto Fernando Figueiredo pagava sua dívida com a sociedade, maquinava um plano estratégico de sobrevivência para quando saísse daquele lugar. E o pensamento não era egoísta. A ideia era oferecer a marginalizados uma saída digna da vida do crime. Há quatro anos, a inspiração se tornou real. Fernando criou a Cooperativa Sonho de Liberdade.
Atualmente, a
cooperativa emprega 20 presidiários, que cumprem regime semi-aberto; 10
ex-presidiários e 50 pessoas da comunidade de Santa Luzia, localidade a 10 km
da parte central de Brasília, onde se encontra a empresa. A cooperativa chega a
ter um bom faturamento e colabora com a sociedade, segundo o idealizador. “Já
temos CNPJ e faturamos cem mil reais por mês. Ainda não temos lucro e grande
parte do dinheiro é para pagamento dos funcionários que recebem de cinquenta a
cem reais por dia. Mas estamos crescendo e, qualquer dia desses, vamos começar
a triturar pedras que vêm das construções”, enfatiza Fernando.
Livre do crack
Além de
reaproveitar madeira, o trabalho na cooperativa reinsere homens à sociedade. O
velho ditado diz que o trabalho enobrece o homem e isso se faz real na
cooperativa sonhada por Fernando Figueiredo.
O marceneiro,
carpinteiro, serralheiro, eletricista, tapeceiro e inventor, José Divino
Vieira, de 46 anos, se recupera do vício com muito trabalho. O “McGuiver”, como
é conhecido pelos colegas cooperados, utiliza madeira reaproveitada para produzir
30 pequenos sofás em três horas de intenso trabalho, num pequeno quartinho de
madeira, que ganhou de Fernando para morar. “Minha ideia é chegar a 80 sofás
por dia. Estou inventando uma máquina para fazer o trabalho mais rápido”,
complementa Divino.
Em série
Mas para chegar a toda essa
produção, o ex-usuário de drogas passou por caminhos que considerou “tenebrosos”.
O goiano de Anápolis perdia aquela guerra e roubava supermercados numa cidade
próxima à Brasília. “Eu era mendigo. Meu negócio era roubar e fazer qualquer
dinheirinho para comprar o crack”, afirma Divino, profundamente emocionado e
com lágrimas nos olhos.
O marceneiro lembra
que roubou um supermercado oito vezes, no mesmo dia. E, ao invés de ser preso,
recebeu do dono do estabelecimento a oportunidade de ser apresentado à Cooperativa.
E o homem de fé, agarrou a chance com unhas e dentes. “Chegou a minha hora!”,
afirma com veemência o habilidoso cooperado.
Hoje, Divino, que conhece bem o caminho das pedras, percorre as ruas das cidades próximas com um carrinho de mão lotado de sofazinhos e não consegue chegar ao destino de vendas muitas vezes. O material é todo vendido antes. E o homem que não conseguia guardar cinco reais e gastava com drogas tudo o que conseguia ilicitamente, refaz a vida e volta a pensar na família, que mora em Barreiras, na Bahia, e não conhece ainda a recuperação dele. “Quero reconquistar minha família, minha mulher e minhas duas filhas. Já abri uma poupança pra elas e logo, logo terei um carrinho para ir visitá-las.”, conta José Divino Vieira, com alegria estampada no rosto sofrido.
O turismólogo
Cézar Rabelo, de 40 anos, é a pessoa que viabiliza os sonhos de Fernando na
cooperativa. “Sou o único graduado que o Fernando acolheu aqui”, afirma em tom
de humildade e sorridente, o pós-graduado em gerenciamento de projetos.
Rabelo acompanha
todo o trabalho da empresa e sabe tudo o que acontece com os colaboradores; é o
braço direito do idealista Fernando Figueiredo. “A cooperativa é a chance para
muitos. Nem todos aproveitam. Já tivemos um caso de um que fugiu do trabalho e
acabou morto após tentativa de assalto, com R$ 100,00 no bolso, que seria o
mesmo faturamento dele aqui no dia.”, lamenta o administrador. Por outro lado,
o sucesso da cooperativa é evidente e ajuda a recuperar a grande maioria que
não teria oportunidades fora do lugar, já que presidiário e ex-presidiário
sofrem muito preconceito. “Uma vez por semana, os trabalhadores que querem
participam de um culto aqui mesmo a partir das 15h, fica à vontade e ganha as
horas como se estivesse produzindo”, finaliza Cézar Rabelo.
O sonho encanta
e já se espalha. Nossa reportagem presenciou o choro da mãe de um presidiário
que foi pedir uma vaga na cooperativa para o filho que está preso.
“Infelizmente não podemos acolhê-lo agora.”, lamenta Fernando. Com a nova
máquina de trituração de pedras, poderemos fichar mais trabalhadores, a
cooperativa deve abrir mais vagas.
O sonho de um se tornou
realidade para muitos a cerca de 30 quilômetros do Congresso Nacional, sem
muita burocracia, mas com muita vontade e desejo de vencer e luta. A iniciativa
e a persistência dos cooperados em busca de sobrevivência movem as máquinas que
reaproveitam madeira e ajudam a recuperar vidas.
Por Luciano Villalba Neto (texto) - Agência de Notícias UniCEUB
Vídeo: Sthael Samara Silva (reportagem), Melquizedequi Lopes (imagens) e Ivonete Oliveira
Que maravilha!!!! Enquanto isso, grande parte da sociedade acha que a melhor solução é fuzilar todos eles. Ate o momento em que um familiar ou amigo, por alguma razao, vai parar na cadeia...
ResponderExcluirEu gostaria do contato da Associação. Alguem poderia fornecer?
ResponderExcluirPrezado Fábio, informe seu contato para que possamos responder. abs
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